Elefante (Elephant) - Resenha do Livro Além da Sinopse

 


O bullying como reflexo da cultura de violência.

AVISO: O TEXTO ABAIXO CONTEM SPOILERS.

Elefante é um filme baseado em fatos que ocorreram na Columbine School no ano de 1999, em que dois alunos se equiparam com armas de fogo pesadas e alvejaram inúmeros estudantes e funcionários, levando à morte treze pessoas e ferindo vinte e uma. Vale alertar que o filme é bastante chocante e o tema deste artigo pode sensibilizar.

O caso Columbine foi um dos tantos episódios de violência nas escolas que tornaram popular o termo bullying, que pode ser definido como agressões físicas e ou morais, com ocorrências múltiplas e repetitivas e nas quais se verifica diferença de poder entre agressor e vítima tal que esta não detenha os recursos necessários para sua defesa.

Na tentativa de compreender este fenômeno, muitos tendem a buscar na escola os elementos causadores das manifestações, uma vez que os registros mais graves tiveram como cenário esta instituição ou a ela estiveram relacionados. A delimitação aos domínios da escola favorece, sem dúvida, a identificação dos fatores contribuintes pela análise das formas de expressão destes atos de violência, dos espaços nos quais ocorrem, dos agentes envolvidos – sejam agressores ou vítimas –, entre outros. Porém, não se pode desconectar os acontecimentos no ambiente escolar das outras realidades vividas pelas crianças e jovens em formação. 

O bullying não é um fenômeno específico da escola. É resultado da violência que está impregnada em todas as relações sociais – pais e filhos, clientes e vendedores, chefes e empregados, entre outros. Como o desenvolvimento do indivíduo e sua constituição como sujeito estão relacionados às influências que recebe do meio social, pela necessidade de apreender estratégias de adaptação às suas dinâmicas, ambientes que legitimam o uso da violência como forma de se conduzir, de solucionar conflitos e superar entraves não produzirão apenas respostas pacíficas de seus participantes, obviamente. Isso significa que o bullying, como definido no início, é uma expressão que chama a atenção por sua recorrência e pela facilidade com que se manifesta na escola, mas que acontece também no trabalho, em casa, na vizinhança, e assim por diante. Onde a disposição para a violência encontrar diferença de poder o bullying pode se estabelecer.

O fato de que as ocorrências em instituições educacionais infanto-juvenis estejam mais evidentes apenas significa que ali as condições lhes são mais favoráveis. Talvez o elevado número de indivíduos que compartilham os espaços aumente, pela diversidade e número de interações, as chances de conflitos que instiguem os mais agressivos à solução não pacífica. Talvez o elevado número de alunos que cada escola comporta torne falhas a vigilância e a intermediação das interações que cada agente da instituição é capaz de realizar. Talvez o sistema de ranqueamento educacional, resultante das avaliações por notas e predominante atualmente, incite a competitividade e tenha como consequência o afastamento empático, o que reforça as dinâmicas individualistas bastante presentes na sociedade atual, aumenta as chances do outro ser visto como ameaça e facilita o ataque direto para submete-lo e colocá-lo em posição de inferioridade. Talvez o foco na produtividade escolar de muitos pais e instituições deixe em segundo plano e por vias repressivas a realização das potencialidades de cada aluno, gerando acumuladas frustrações que podem ser deslocadas a terceiros por vias violentas, entre muitos outros. 

Além destes, um dos fatores que acreditamos ser bastante significativo no favorecimento ao bullying escolar é a facilidade com que a maior parte dos incidentes continua invisível. Podemos constatar que o assunto somente se tornou de conhecimento popular e passou a ser visto como um mal social após ser vinculado aos trágicos massacres promovidos por estudantes que, anteriormente, haviam sido vítimas de rejeição ativa e maus tratos por parte de seus colegas. Estes massacres, porém, são apenas a “ponta do iceberg” e trazem à superfície apenas uma ínfima parcela de todos os que sofrem dessa violência sistematizada. 

Possivelmente, a invisibilidade seja reforçada pelos interesses das instituições educacionais que possuem o receio de manchar sua reputação com a assunção dos casos de bullying em seus ambientes, o que dificulta e às vezes impede a adoção de medidas adequadas para o combate às ocorrências. Porém, o silêncio da vítima é, certamente, o que mais atrapalha a interrupção da escalada de violência. 

Uma criança ou um adolescente possivelmente tem mais dificuldades em denunciar as agressões que lhe são impostas do que um adulto. Não somente o constrangimento pode ser mais intenso aos jovens, por terem identidades mais oscilantes e dependentes de aceitação, como o conhecimento que possuem dos próprios recursos e das dinâmicas sociais que os circulam é, possivelmente, reduzido e ou fantasioso em comparação ao possuído pelos adultos. Se a vergonha pode dificultar o compartilhamento com terceiros de sua condição de vítimas, a restrição de conhecimentos pode tornar difícil conceber a denúncia às autoridades – pais, professores, polícia, entre outras – como solução para os ataques que lhes atingem.

Os jovens agressores de Columbine, segundo alguns relatos, sofreram bullying de seus colegas na escola e tinham dificuldades em se adaptar. A violência e a rejeição ativa sofridas certamente foram motores para o massacre: esta favorece o afastamento empático que reduz o valor do outro, aquela constrói e legitima o caminho de agressividade pelo qual se manifesta a resposta violenta, fazendo girar o círculo vicioso. 

Escrito pela psicóloga clínica especialista em psicanálise Fernanda Guimarães e pelo especialista em sociologia e em educação Roberto Guimarães.

NOTA: Imagem retirada do Google Imagens.


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